Acidente que matou 99 pessoas em uma rua do
Jabaquara fez surgir associação pioneira de vítimas e mudar valor de
indenizações
NATALY COSTA - O Estado de S.Paulo
Há
exatos 15 anos, um Fokker 100 da companhia aérea TAM caía em uma rua do
Jabaquara, na zona sul. Além de matar 99 pessoas e deixar um rastro de destruição,
o acidente com o voo 402 abriu, da pior maneira possível, série de precedentes
que mudaria totalmente os parâmetros judiciais para indenização de parentes.
Também fez surgir a primeira associação de familiares de vítimas de acidentes
aéreos do País.
"Quando
houve o acidente com o Fokker 100, algumas famílias procuraram até advogados
americanos. Ninguém sabia direito como tratar", conta a advogada Regina
Prado Manssur, que conseguiu judicialmente que as indenizações pelo acidente
entrassem na abrangência do Código de Defesa do Consumidor, criado seis anos
antes do acidente. "Um fato triste que foi um ganho para a Justiça
brasileira."
Na
época, o valor do seguro obrigatório que a companhia aérea tinha de pagar para
familiares de vítimas em casos como esse era de R$ 14 mil - nos Estados Unidos,
o valor é de U$ 120 mil; na Europa, de 130 mil. Em 2009, a Associação
Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapava)
conseguiu na Justiça aumentar o seguro para R$ 41 mil.
Foi uma
das primeiras conquistas da associação criada pela secretária executiva Sandra
Assali, que naquela manhã de 31 de outubro de 1996 começou o dia deixando o
marido no Aeroporto de Congonhas para uma viagem de trabalho. José Abu Assali
foi uma das vítimas do Fokker 100 que decolou com destino ao Rio, mas, minutos
depois da decolagem, caiu na Rua Luís Orsini de Castro.
Em
meio ao sofrimento, Sandra resolveu engajar-se. Montou a Abrapava, primeira
associação do gênero no Brasil, que acabou servindo de referência a outras que
surgiriam após a sucessão de acidentes aéreos no País: Associação dos
Familiares das Vítimas do Voo Gol 1907 (em 2006), Associação dos Familiares e
Amigos das Vítimas do Voo TAM 3054 (em 2007), Associação dos Familiares das
Vítimas do Voo 447 (2009).
Famílias
que sofreram as dores do mesmo acidente que ela, o de 1996, se dispersaram. Mas
Sandra acabou se aproximando de outras que apareceram. Foi para Manaus quando
houve o acidente da Gol, esteve em Congonhas no segundo acidente da TAM e
viajou para a França depois que famílias de lá ligaram pedindo ajuda na
tragédia da Air France.
"É
muito sazonal. Às vezes estou em contato com 300 famílias, às vezes com 50. A
verdade é que depois que a coisa é resolvida muita gente não quer mais ouvir
falar do assunto", conta. Sandra tem "fixas" na associação mais
quatro famílias de vítimas de acidentes diferentes e mantém
"correspondentes" em cidades como Curitiba, Porto Alegre, Brasília e
Rio. "Quando tem acidente, por menor que seja, a gente se coloca à
disposição para atender."
Moradora
de Moema - com vista para o Aeroporto de Congonhas da varanda -, ela é mãe de
dois filhos, de 19 e 22 anos. "Na época (do acidente com o marido), o mais
velho, com 7 anos, sofreu muito. A mais nova só foi entender anos depois."
Sandra chegou a abrir um brechó depois da tragédia, mas parou quando começou a
viajar muito por causa da associação - deu palestra até em Washington.
Cenário da tragédia. A cerca de 2 km de
Congonhas, a Luís Orsini de Castro - onde três moradores morreram - continua
sendo rota dos 34 aviões que seguem a cada hora rumo a Congonhas entre 7h e
23h, todos os dias. E voam "baixo demais", nas palavras de Lourival
Silva Santos, de 54 anos. Se bem que isso não preocupa o dono do bar na rua.
"Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Nem avião,
né?", brinca.
Poucos
vizinhos da época do acidente com o Fokker 100 ainda vivem por ali. Mas, no
único mercadinho da rua, Regina Aparecida Paulino, de 58 anos, mostra uma foto
do dia fatídico. É do pai dela, Madu Paulino, já falecido, na época dono de uma
oficina que funcionava onde hoje é o mercadinho.
A
foto mostra Madu olhando para carros carbonizados pelo fogo que tomou a rua.
"Eu não morava aqui, mas vim ajudar as pessoas, levar para o hospital",
conta Regina, enfermeira aposentada. Seu filho, Renato Paulino, à época com 18
anos, estava na rua na hora do acidente. "Só lembro de um rastro enorme de
combustível que o avião foi soltando antes de cair. Ficou tudo preto",
conta.