Após caos aéreo, Anac aplica punição de R$ 2 milhões. No Procon, pode atingir R$ 3 milhões
Bruno Rosa, Lino Rodrigues e Luiza Damé - O Globo
RIO, SÃO PAULO
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) vai multar a Gol em R$ 2 milhões, após o caos aéreo provocado pela companhia no último fim de semana, quando mais da metade de seus voos atrasaram e 17% foram cancelados. De acordo com Solange Vieira, presidente do órgão regulador, trata-se de um valor recorde. A agência também investigará o número de tripulantes que a Gol informou ter trabalhado durante o mês de julho. Na lista de medidas, a agência reguladora ainda proibiu a Gol de fazer novos fretamentos, voos utilizados em pacotes vendidos por agências de viagens.
A Fundação Procon de São Paulo também decidiu notificar a Gol e estipulou prazo até amanhã para que a empresa explique o que motivou a onda de atrasos e cancelamentos, sob pena de ter que pagar uma multa que pode chegar a R$ 3 milhões. O Procon/ RJ também vai notificar a empresa e poderá abrir uma ação civil pública.
Já o Ministério Publico Federal (MPF) notificou ontem a Gol, a Anac e a Infraero, que administra os principais aeroportos do país, a prestarem informações detalhadas, no prazo de dez dias, sobre a origem dos problemas que ocasionaram os diversos e sucessivos atrasos. Os procuradores do MPF querem saber sobre as providências adotadas pela empresa e pelos órgãos responsáveis pelo setor.
Anac: falta de sorte, como vulcão europeu
Segundo os dados informados pela Gol à Anac, 720 comandantes trabalharam em julho, alta de 6,19% em relação aos 678 em junho. No mês passado, foram 741 copilotos, contra 613 um mês antes.
No caso dos comissários, houve elevação nos quadros de 2.417 para 2.570. Segundo a Anac, com base em registros obtidos junto ao controle do espaço aéreo, foram 145 voos fretados no último fim de semana, número 11% menor em relação ao fim de semana anterior, quando houve 130 voos charter.
Não tinha motivos para identificar os problemas. De junho para julho a empresa ampliou o quadro de funcionários.
No último fim de semana houve menos voos fretados que no anterior. Por isso acreditamos que foi um problema no sistema de controle de tripulação disse Solange.
A Anac deve arrecadar cerca de R$ 15 milhões este ano com multas, valor que será quase o dobro dos R$ 7,3 milhões de 2009. Solange lembrou ainda que a Webjet também teve problemas no fim de semana, tendo que contratar equipe de outras empresas.
Um dos problemas apurados pela agência em relação ao software revelou que as horas máximas de trabalho ao mês não foram respeitadas na Gol. Pela lei, um piloto pode voar até 85 horas por mês, com limite de 230 horas em um trimestre. Na prática, se o piloto voa 85 horas no primeiro mês, terá que reduzir sua carga de trabalho para não extrapolar o limite em três meses.
Acho que é um caso isolado, mas não podemos dizer que não vai acontecer de novo. Vamos ficar muito mais preocupados agora. Há um excesso de demanda no Brasil, mas essa situação com a Gol foi um problema que poderia ter acontecido em qualquer momento, foi uma falta de sorte, como o vulcão na Europa. Mas estamos fazendo o possível para prever reforçou Solange.
Em nota divulgada ontem à noite, a Gol pedia desculpas aos passageiros e disse que cumprirá o plano de ação que apresentou à Anac.
Dados da Infraero de ontem revelaram que a Gol registrou atraso em 126 voos domésticos, cerca de 18% dos 697 programados pela companhia aérea. Desse total, 41 (5,9%) foram cancelados. O setor registrou 14,1% de atrasos.
Para o Thiago Lacerda Nobre, procurador integrante do Grupo de Transporte Aéreo da Câmara do Direito do Consumidor, vinculado à Procuradoria da República, esses episódios recentes trazem à tona problemas que estavam sendo escondidos pelo sistema. O MPF quer saber também se os clientes tiveram informações sobre os atrasos nos voos ao buscarem ajuda no balcão da companhia. O MPF questiona ainda a Anac a respeito das medidas emergenciais adotadas durante o ocorrido e o que pretende fazer para corrigir as falhas de forma definitiva.
Os procuradores também querem explicações sobre as penalidades aplicadas pela Anac nos últimos 12 meses, a quantidade de multas aplicadas e o valor arrecadado.
Segundo Nobre, os atrasos no último fim de semana não lesaram somente os passageiros da Gol, mas de todas as companhias que estavam operando. Ele disse que o MPF estuda a criação de um grupo permanente para acompanhar somente o transporte aéreo.
Já os funcionários da Gol, que haviam marcado uma paralisação para o próximo dia 13, foram convocados pela empresa para uma reunião no dia 11. Os empregados da Gol reivindicam melhores salários, plano de saúde e fim do excesso de jornada.
As multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho e pela Anac são tão baixas que acabam se tornando um incentivo para as empresas desobedecerem à legislação criticou a presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, Selma Balbino.
Jobim, enfim, apareceu
Depois de dois dias de silêncio sobre o caos nos aeroportos, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, minimizou ontem os problemas enfrentados pela Gol. Para Jobim, a Anac está tomando as providências necessárias. Ele reconheceu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também está preocupado: A Anac está tomando as providências necessárias, absolutamente corretas. E, no assunto da Gol, vai haver multas. A presidente da Anac está tomando as providências adequadas, decorrentes de uma agência com absoluta autonomia.
Embora o Sindicato dos Aeronautas tenha denunciado sobrecarga de trabalho na Gol, Jobim disse ainda que não há risco de acidente: Essa síndrome da conspiração e do acidente não existe.
Especialistas criticam atuação da Anac
SÃO PAULO. A demora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para encontrar uma solução que amenize os problemas com os atrasos e cancelamentos de voos da Gol foi criticada por especialistas do setor. O professor de economia da USP e da PUC de São Paulo Gilson Garófalo, especialista em aviação, disse que faltou agilidade e rapidez da agência na aplicação de penalidades.
Somente ontem, cinco dias depois de iniciados os problemas com a falta de tripulação nos voos da Gol, a Anac anunciou que vai aplicar multa de R$ 2 milhões à companhia e proibi-la de operar voos fretados até que a situação se normalize: Uma agência reguladora precisa ser eternamente vigilante. Se faz corpo mole, ela dá a impressão ao público de que está conivente com os poderosos.
Segundo ele, não é a primeira vez que a agência falha como reguladora. O professor disse que a Anac repetiu o mesmo erro de 2008, durante a crise do setor aéreo, ao demorar a encontrar uma solução para os problemas. Ele acusou o governo de não pressionar a agência por uma solução rápida, que evitasse o prejuízo ao consumidor: As agências foram criadas durante a privatização exatamente para obrigar as empresas a cumprirem regras.
Alessandro Oliveira, coordenador da Rede de Pesquisa em Transporte, vinculada a universidades brasileiras, disse que a Anac precisa enxergar os riscos e a possibilidade de algum problema momentâneo.
Se não faz isso é porque se distancia de sua função. Ele disse que uma onda de problemas gerenciais de uma empresa deve ser identificada antes de virar um tsunami. E afirmou que, mais do que multar, a agência tem o o papel de fazer a legislação ser cumprida. (Wagner Gomes)