Em decadência desde os anos 90, aviação regional volta a atrair interesse de grandes grupos e avança com o crescimento econômico fora das capitais e a saturação dos principais aeroportos
Melina Costa - O Estado de S.Paulo
A aviação regional brasileira tem carregado, nas últimas duas décadas, a pecha de negócio mambembe. As empresas do setor desaparecem no mesmo ritmo acelerado em que surgem - só nos últimos cinco anos, quatro fecharam e três suspenderam suas operações. Ao mesmo tempo, a maior parte das companhias que permanece voando acaba em estado de paralisia: pelo menos cinco nanicas mantêm menos de 1% de participação de mercado há quatro anos.
Neste ano, porém, uma lufada de ar fresco invadiu o setor. Primeiro, a TAM, maior companhia aérea do País, comprou a pequena Pantanal e anunciou que, além de se utilizar de seus valiosos slots em Congonhas, aumentaria sua frota regional com novos aviões. Na semana passada, a Azul, do empresário David Neeleman, revelou a compra de até 40 aeronaves turboélice que serão usadas para conectar cidades médias à atual malha da empresa. Ao mesmo tempo, empresas como Trip e Passaredo ganharam mercado e agora começam a se profissionalizar. Até a Gol, cujo modelo está centrado no atendimento a cidades de alta densidade, pretende fazer acordos de alimentação de seus voos com companhias regionais.
A maior parte do faturamento das companhias aéreas vem e continuará vindo dos grandes centros. Mas há uma realidade que não pode ser ignorada: o Brasil cresce, e muito, no interior. Segundo o Ministério do Trabalho, foi fora das capitais que o País criou o maior número de empregos com carteira assinada neste ano.
Um estudo feito pela LCA Consultores aponta que as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes - excluindo capitais e municípios das regiões metropolitanas - registraram um crescimento médio acumulado de 4,94% entre 2000 e 2007, acima da expansão registrada pela soma de todos os municípios do País (4,41%).
A descentralização do crescimento já é percebida nos aeroportos. Segundo um levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o tráfego de passageiros saindo de Joinville (SC) aumentou 203% entre 1998 e 2008. Em Ribeirão Preto, no interior paulista, a expansão foi de impressionantes 1712%.
Diante desse cenário, a Embraer acredita que existe espaço no mercado brasileiro para vender 100 jatos de sua família 190, que têm em torno de 100 assentos, nos próximos cinco anos. Menores que os Boeing e Airbus usados por Gol e TAM, essas aeronaves são mais adaptadas ao transporte entre cidades médias porque ficam cheias - e tornam-se lucrativas - com um número menor de passageiros.
Segundo a fabricante, há 50 pares de cidades ainda sem ligação direta pelo transporte aéreo e que apresentariam demanda suficiente para tal se atendidos pelos E-Jets. "O Brasil caminha para a realidade dos Estados Unidos, onde algumas companhias passam por cima de cidades tradicionais de conexão de voos", diz Paulo César de Souza e Silva, vice-presidente de aviação comercial da Embraer.
Infraestrutura. Há, ainda, uma segunda grande explicação para o interesse recente das companhias aéreas pelo Brasil profundo. Sem investimentos na ampliação de infraestrutura, simplesmente não existe espaço para crescer em alguns centros. Esse é o caso de Congonhas, em São Paulo, o aeroporto mais disputado e lucrativo do País. A Azul foi criada há um ano e meio, quando o aeroporto já estava lotado. Para continuar crescendo no ritmo registrado até agora e abrir o capital nos próximos anos, a empresa decidiu chegar a cidades menores do que aquelas que já atende - onde os aeroportos estão subutilizados.
Ao todo, a empresa deve investir U$ 850 milhões em aviões turboélice da fabricante francoitaliana ATR. A intenção é que esses aviões, menores e mais econômicos que os Embraer atualmente usados pela companhia, liguem o interior de São Paulo a Campinas, base de operações da Azul. Nesse mesmo modelo, outros mini hubs (centros concentradores de passageiros) devem ser espalhados pelo Brasil. A ideia é chegar a 50 destinos com os turboélice.
"As poucas empresas que atendem cidades médias cobram muito pela qualidade do serviço oferecido. Queremos levar preços mais baixos e um serviço sem barreiras entre o transporte nacional e o regional. O passageiro pode pegar dois aviões, mas vai fazer apenas um check-in", diz Gianfranco Beting, diretor de comunicação e marca da Azul. "Vemos um enorme potencial no Brasil que cresce a dois dígitos."
Entre os dez executivos e especialistas ouvidos pela reportagem, ninguém se pergunta se vale a pena expandir para as cidades de médio porte. As opiniões divergem, porém, sobre como fazer isso.
Desde 2006, a Gol incluiu dez novas cidades médias em sua malha, como Chapecó (SC) e Cruzeiro do Sul (Acre). A empresa passará a voar para Montes Claros (MG) até o fim do ano. Segundo o Estado apurou, a companhia mantém negociações para que a regional recém-criada Noar comece a alimentar seu voos no Nordeste. Ao contrário de suas concorrentes, a Gol não tem uma frota dedicada à aviação regional. O modelo é o de conexões: seus aviões, que têm entre 144 e 187 assentos, chegam até cidades médias, mas fazem paradas em outros pontos, de maior demanda.
"Não existe companhia que voe mais para cidades não-metropolitanas que a Gol. Nascemos com a missão de democratizar a aviação e estamos chegando cada vez mais em cidades médias", diz Cláudia Pagnano, vice-presidente de mercado da empresa. "Precisamos de frota diferente para fazer isso? Chegamos a Petrolina (PE), por exemplo, de forma lucrativa. E os outros, conseguirão?" Essa é a pergunta que o setor inteiro se faz.