Dono do grupo Virgin, conglomerado com 360 companhias espalhadas pelo mundo, o polêmico empresário inglês Richard Branson prepara o desembarque de nova companhia aérea no Brasil
ADRIANA NICACIO E AMAURI SEGALLA
Quando o sujeito que aparece nu em pêlo na capa desta edição da DINHEIRO diz que vai fazer alguma coisa, ele costuma fazer mesmo (como, por exemplo, posar pelado para incrédulos fotógrafos). Um dos empresários mais poderosos - e ousados - do planeta, 236° colocado na lista dos mais ricos do mundo da revista Forbes, Richard Branson afirmou na semana passada que
quer abrir uma companhia aérea no Brasil.
"Estou negociando o estabelecimento de uma empresa que começará com vôos internos, mas que poderá se transformar em uma companhia com rotas internacionais", falou a jornalistas durante o Fórum Humanitário Global, em Genebra, na Suíça. Há pelo menos três anos Branson encasquetou com a idéia de investir no País. Primeiro, ele imaginou que o ideal seria criar um novo destino para a Virgin Atlantic, sua companhia de vôos internacionais, com aviões saindo de Londres e chegando ao Rio de Janeiro.
Mas era pouco. O setor aéreo do Brasil é um dos cinco que mais crescem no mundo, com evolução anual na casa de dois dígitos. Portanto, não fazia sentido entrar timidamente num mercado que, segundo projeções de consultorias globais, deve triplicar em 20 anos. "O Brasil é um mercado muito dinâmico e não dei atenção suficiente no passado", disse Branson em Genebra. A hora é agora, descobriu.
A partir do início de 2007, Branson passou a conversar regularmente com David Neeleman, o brasileiro que criou a Jet Blue nos Estados Unidos e que no ano que vem lança a Azul Linhas Aéreas no Brasil. Tudo indicava que seria uma parceria perfeita para a entrada de Branson no País. Como Neeleman, Branson é um empreendedor afeito a riscos e um gênio do marketing. E o mais vantajoso: Neeleman tem certidão de nascimento brasileira, o que o livra dos impedimentos da legislação aérea para estrangeiros. Isso tudo não foi suficiente, porém, para que se acertassem. Vaidosos e acostumados a liderar os negócios com os quais se envolvem, eles provavelmente não se acertaram num ponto: quem seria o chefe? Elegante, Neeleman afirma apenas que vê com bons olhos a chegada de um concorrente de peso: "Isso mostra que estávamos certos sobre o potencial do mercado brasileiro", afirma.
Apesar da empolgação de Branson, alguns obstáculos podem atrasar suas pretensões. O maior deles é a legislação em vigor, que não permite mais do que 20% de capital estrangeiro na composição societária das empresas aéreas. O limite tem gerado debates em Brasília. No governo há certa disposição em aumentar a participação para 49%, na tentativa de atrair novos investidores. O presidente da Infraero, Gaudêncio Torquato, se diz totalmente favorável a uma revisão do atual percentual. Na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a idéia não encontra resistência. Também no Ministério da Defesa existem estudos para mudar a lei e no Congresso Nacional tramitam projetos que tratam do assunto. Entretanto, o que ainda vale é a restrição dos 20%.
A lei vem causando muita confusão, como demonstra o rumoroso caso da VarigLog, que tem até 7 de julho para apresentar uma nova composição acionária (no momento, a maior parte de biseu capital está nas mãos do fundo americano Mattlin Peterson, representado pelo chinês Lap Chan, e do argentino Santiago Born). "Não tem jeito, o Branson só poderá entrar no mercado brasileiro em sociedade com um brasileiro que tenha muito dinheiro", diz o advogado Fernando Nees, especializado no setor aéreo. O nome de Eike Batista surgiu como um possível sócio de Branson, mas o mais novo bilionário brasileiro desmentiu. A questão é saber até que ponto Branson estaria disposto a abrir mão de 80% do capital de sua empresa. Há quem acredite que um caminho mais fácil seria batalhar pela mudança da lei. Branson deve vir ao Brasil nos próximos meses, informação confirmada pela sua assessoria de imprensa.
Aos 57 anos, Richard Branson construiu uma das trajetórias mais espetaculares do capitalismo moderno. Nascido na Inglaterra, começou a fazer negócios aos 16 anos, quando criou uma revista underground. Em 1970, aos 20, fundou a Virgin, especializada na venda de discos por correspondência.
No ano seguinte, inaugurou a loja Virgin Records na Oxford Street, em Londres, endereço que mais tarde se tornaria ponto turístico da capital inglesa. A loja virou gravadora, que acabaria por deslanchar com a contratação da banda punk Sex Pistols, ícone da história do rock. Enquanto o dinheiro entrava aos turbilhões, ele investia em negócios tão diversos quanto uma rede de academias, editoras de livros, lojas de vestidos para noivas, produtoras de quadrinhos, distribuidoras de vodca e refrigerantes, operadoras de turismo, seguradoras, estações de rádio, fábricas de cosméticos, transportadoras ferroviárias.
Em 1984, criou a Virgin Atlantic, que começou a voar com um único avião da Aerolineas Argentinas. A empresa inovou ao oferecer manicures e massagistas a bordo e ao colocar na primeira classe camas de casal. No setor aéreo, desenvolveu braços regionais nos Estados Unidos, na Nigéria e na Austrália. Em 2007, a Virgin Atlantic foi uma das empresas de aviação de maior sucesso, com lucro de US$ 90 milhões e 5,1 milhões de passageiros transportados. Hoje, a marca Virgin está presente em 360 companhias e fatura estimados US$ 30 bilhões por ano. Branson teve a intuição de ligar sua imagem diretamente aos seus negócios. Para fazer barulho na imprensa, veste-se de noiva antes de inaugurar uma loja, faz rapel num prédio em Londres no anúncio de sua nova empresa de telefonia celular, aparece na praia ao lado de beldades pouco antes do primeiro vôo da Virgin Blue, que opera na Austráilia. Para a revista americana Wired, ele é o maior marqueteiro da história do capitalismo.
No Brasil, a nova companhia aérea divide a análise de especialistas. Para Antônio da Cruz de Carvalho, professor da Fundação Getulio Vargas e analista do setor, a chegada de Branson é positiva. "É importante para o usuário a entrada de um player forte na aviação", diz. André Castellini, consultor da Bain & Company, considera questionável a iniciativa. Na sua avaliação, o mercado brasileiro já é superdisputado por empresas altamente competitivas. Com a estréia da Azul prevista para o ano que vem, haveria rivais em excesso. Branson certamente dará ouvidos apenas a si próprio. Por isso, não estranhe se ele aprontar alguma surpresa para os brasileiros nos próximos meses. É como costuma dizer: "Não podemos medir esforços quando desejamos muito alguma coisa."