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05 abril 2010

Yes, nós temos gringos

David Neeleman importou 12 executivos da JetBlue para tentar repetir o feito da companhia americana na Azul

Melina Costa - O Estado de S.Paulo

- How many funcionários a gente já tem?

- Only crew members ou tudo?

- Tudo.

- Ao todo, quase two thousand.

O trecho acima é parte de uma conversa entre o empresário David Neeleman, fundador da Azul, e alguns de seus executivos na sede da companhia aérea, em Alphaville, na Grande São Paulo. A forma como os diálogos acontecem na empresa revela muito sobre como a Azul nasceu e como é gerida até hoje.

Quando decidiu criar uma companhia no Brasil, Neeleman não agiu sozinho. Em outubro de 2007, ele chamou três executivos americanos da JetBlue - a mais bem sucedida das empresas de aviação que concebeu - para ajudá-lo no projeto. Tratava-se de Gerald Lee, então vice-presidente de novos negócios e mercado de capitais, John Rodgerson, diretor financeiro, e Trey Urbhan, vicepresidente de planejamento e marketing. Depois do trio veio uma leva. Ao todo, foram 12 executivos.

Entre eles estão gerentes e diretores. Como a legislação brasileira não permite que a direção de companhias aéreas locais seja exercida por estrangeiros, a estrutura foi organizada de modo que Lee, Rodgerson e Urbhan ocupem o comando da Holding Azul, a controladora da Azul Linhas Aéreas.

Já a diretoria da Azul, de fato, é de brasileiros. Com essa organização, executivos locais acabam tendo funções semelhantes às dos americanos. "Há duplicidade agora. Tem outra pessoa aqui que pode fazer o que eu faço", diz Rodgerson. "Mas queremos ser uma empresa grande e estamos nos preparando para isso."

Os estrangeiros que ocupam os cargos de diretor na Azul se reportam à cúpula de brasileiros. Hoje a empresa tem mais de 1.700 funcionários. "Quis juntar o melhor conhecimento do Brasil e o melhor dos Estados Unidos", diz Neeleman. "Os americanos não poderiam chegar aqui e fazer tudo. O conhecimento do Brasil foi mais importante."

Há até estagiários estrangeiros na Azul. Mais de 15 estudantes da Universidade de Utah já passaram temporadas na empresa. A intenção é conviver com Neeleman. A maior parte desses jovens é mórmon, assim como o empresário. "Fui missionário no Brasil durante a adolescência e aprendi português. Agora, ajudo no atendimento ao cliente", diz Daniel Johnson, estudante de 24 anos.
 
Ações. Neeleman lançou mão de duas estratégias para convencer os executivos a deixar seus empregos na JetBlue. A primeira foi o argumento de que eles fariam parte de uma espécie de revolução.
 
O empresário disse que as companhias brasileiras cobram preços altíssimos e que, se não fosse por isso, o mercado poderia triplicar de tamanho. A segunda foi um pacote de ações. Cerca de 4% do capital da empresa foi distribuído entre eles pelo preço de fundador (mais baixo que o valor real). As ações só poderão ser vendidas em 2012. "Não foi difícil convencê-los. Essa é a quarta vez que eu crio uma companhia aérea. Eu vendo sonhos. Além dos incentivos financeiros, o Brasil é um lugar muito agradável para se morar. Depois de um ano, ainda está todo mundo aqui", diz Neeleman.

O caminho mais óbvio para transformar os papéis que os americanos receberam em dinheiro é a abertura de capital da Azul. Neeleman admite que essa é uma das possibilidades, mas diz que não há prazo para que a operação aconteça. "Nossos executivos não têm pressa para o IPO. Estão todos ganhando bem, estão vivendo bem. Eles têm empregadas domésticas aqui que não poderiam ter nos EUA", diz Neeleman.

Até que possam vender suas ações, os estrangeiros deverão ter preparado o time que dará continuidade ao seu trabalho. Nenhum dos americanos entrevistados pelo Estado revelou quando voltará para os Estados Unidos, mas essa é a intenção da maioria.

Por trás da participação dos estrangeiros na gestão está o modelo de companhia aérea que Neeleman pretende erguer no Brasil. O empresário segue uma série de regras que já o nortearam outras vezes nas empresas que criou. Assim como na JetBlue, a Azul tem como estratégia traçar voos entre destinos atendidos timidamente pelas companhias líderes. Em Nova York, a JetBlue começou ligando o aeroporto de John F. Kennedy (JFK) - então menosprezado pela distância até o centro de Manhattan - até a cidade de Buffalo, no oeste do estado de Nova York. No Brasil, a Azul sediou suas operações no aeroporto de Viracopos, em Campinas, a 100 quilômetros de São Paulo. Seus voos sem escala vão para cidades como Salvador e Porto Alegre (até a Azul começar a voar, a TAM, líder no País, só atendia essas rotas com conexões).

Barreiras

. Outro pilar da JetBlue replicado na Azul é o preço baixo. Isso não significa que todas as passagens serão incrivelmente baratas, mas que há um intrincado sistema de segmentação de tarifas.

Assim, quem compra com antecedência, por exemplo, paga mais barato. Esse processo não é exatamente novo. Tanto a TAM como a Gol fazem o mesmo. A diferença, segundo a Azul, é que na companhia essa estratégia é mais sofisticada porque segue o modelo adotado pela JetBlue nos Estados Unidos, onde a competição é maior. Assim, menos assentos ficam vazios. Em 2009, a taxa das aeronaves da Azul foi de 80%, contra 67% da Gol e 66% da TAM.

A adoção de estratégias da JetBlue na Azul, porém, nem sempre é um processo fácil. Basicamente, os americanos precisam convencer os brasileiros de que mudar o modus operandi local é a melhor alternativa.

O serviço de bordo é um exemplo emblemático. Em vez de carrinhos, as comissárias da companhia americana usam cestas para distribuir os lanches durante o voo (a intenção é não interromper o trânsito nos corredores da aeronave). No Brasil, a ideia, apresentada antes da Azul começar operar, pegou mal. As aeromoças achavam que não daria tempo de atender todos os passageiros durante as viagens mais curtas. Foi preciso fazer um teste para encerrar as discussões.

Uma aeronave foi estacionada em Viracopos e ocupada apenas por tripulantes. O tempo de voo foi simulado e o serviço foi cronometrado para comprovar que era possível, sim, usar as cestinhas.

As comissárias até aceitaram abandonar os carrinhos, mas recolher o lixo das aeronaves foi demais. Como medida de controle de custos, na JetBlue, as aeromoças ajudam na limpeza. No Brasil, onde a categoria se orgulha de manter-se impecavelmente maquiada e penteada, a resistência foi geral.

"Queremos replicar as boas experiências da JetBlue, mas essa é uma empresa brasileira. Tudo tem de ser adaptado", diz Urbhan.

Em muitos casos, a legislação é a grande barreira para a adoção de estratégias. Um exemplo: o modelo de atendimento de call center da JetBlue, em que as telefonistas trabalham de casa, não pôde ser trazido ao Brasil devido à pouca flexibilidade das leis trabalhistas.

Há assuntos que, propositalmente, são deixados a cargo dos brasileiros. O modelo de financiamento de passagens que está para ser lançado é um deles. A ideia é que os clientes possam pagar metade das tarifas antes de embarcar e a outra metade depois, sem precisar de cartão de crédito.

"Nisso os gringos não ajudam muito", diz Rodgerson. "Para mim foi difícil entender essa história de dividir as compras sem juros."

Lucro.

Quase um ano e meio depois do início das operações, a Azul tem 15 aeronaves, voa para 17 cidades e apresenta uma das maiores taxas de ocupação do setor. Mesmo assim, o modelo de negócios inspirado na experiência americana ainda é encarado com ceticismo pelos concorrentes. O grande desafio da companhia é dar lucro. Segundo um executivo do setor, entre janeiro e setembro do ano passado, a Azul teria perdido R$ 50 reais por passageiro transportado.

Neeleman diz que a rentabilidade virá até o fim do ano graças à combinação de redução dos custos fixos (quanto mais aeronaves, mais se diluem os gastos) e o aumento da receita (as promoções devem diminuir). "Fizemos a mesma coisa na JetBlue e a Azul está no mesmo caminho", diz.

Os concorrentes, porém, enxergam problemas. Para eles, alguns custos da Azul devem aumentar nos próximos anos. Como sua frota ainda é nova, os gastos com manutenção, um dos que mais pesam, ainda são pequenos em comparação com os rivais. Algo semelhante acontece com o nível de utilização das aviões. Em Viracopos, aeroporto com poucos problemas meteorológicos e de congestionamento, a Azul conseguiu criar um sistema de conexões em que seus aviões voam 14 horas por dia, contra 12 da Gol. A dúvida é saber em que outros aeroportos a Azul conseguirá a mesma eficiência daqui para frente. Estima-se que a Gol, por exemplo, voa 20% a mais do necessário nos aeroportos de São Paulo.

Há, ainda, uma questão essencial. Ao criar rotas entre cidades pouco atendidas pelas companhias tradicionais, a Azul quebrou a regra de ouro que diz que, no Brasil, o negócio de aviação só dá dinheiro mesmo em 12 grandes cidades - especialmente se o avião passar por Congonhas e Guarulhos, que reúnem quase metade da receita o setor. E a Azul não opera em nenhum deles. A demanda que Neeleman encontrou até agora para encher seus aviões estaria, portanto, perto do limite. Ainda mais quando as promoções diminuírem.

Em resposta às críticas, Neeleman diz que seu custo por viagem continuará a ser menor devido à eficiência da operação - "saímos do zero, não temos a Varig" - e de sua aeronave. "O Embraer é menor, consome menos combustível e tem mais tecnologia." O empresário também acredita que seu avião, com menos poltronas que o dos concorrentes e, portanto, mais fácil de encher, é a resposta para atender cidades menores e dar lucro. A Azul analisa, hoje, cinco aeroportos para repetir o feito de Viracopos.

Neeleman enxerga o mercado brasileiro com otimismo incomum e o sucesso da companhia como inevitável. "Já vi isso acontecer há 30 anos nos EUA. O mercado vai crescer e o Brasil vai precisar de mais 300 aeronaves nos próximos 5 anos", diz. "Temos problemas de infraestrutura, mas dá para resolver. No curto prazo, podemos aumentar a eficiência dos aeroportos. No médio, construir terminais e pátios temporários e, no longo prazo, São Paulo vai precisar de um terceiro aeroporto". Para os americanos e brasileiros da Azul, o desafio é gerar lucro e crescimento até lá.

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